A retenção de IRPF de 10% na distribuição de lucros das empresas optantes do Simples Nacional
Foi com grande alarde que muitos profissionais que publicam posts e informações nas redes sociais comemoram a publicação da Solução de Consulta COSIT nº 244/2025
Foi com grande alarde que muitos profissionais que publicam posts e informações nas redes sociais comemoram a publicação da Solução de Consulta COSIT nº 244/2025, que tratou da isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) na distribuição de lucros realizada por microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP) optantes pelo Simples Nacional.
Apesar do reforço dos critérios formais e contábeis a serem observados para garantir a isenção tributária, tanto na distribuição efetuada ao final do exercício quanto nas distribuições ao longo do ano-calendário (antecipações de lucros com base em balanços intermediários), a Solução de Consulta em comento não tratou especificamente da retenção prevista na Lei nº 15.270/2025.
Em resumo, aquela Solução de Consulta reforçou a necessidade de que as micro e pequenas empresas optantes pelo Simples Nacional mantenham escrituração contábil completa e formalizada, de acordo com as normas técnicas, demonstrando que o lucro contábil pode estar acima do limite presumido e, portanto, totalmente distribuído aos sócios, com isenção.
Esse entendimento pacifica a possibilidade de distribuição antecipada de lucros no próprio exercício social, sem retenção de imposto, desde que haja suporte contábil idôneo que comprove os resultados que a justifiquem, bem como autorização, no contrato social das empresas para que as distribuições sejam mensais.
Mas, afinal, como ficará a distribuição dos lucros das empresas optantes pelo Simples Nacional após a Lei nº 15.270/2025?
Um ponto crucial a ser considerado é que os esclarecimentos da COSIT na solução nº 244/2025 foram formulados com base na legislação vigente até 2025, sem abordar mudanças legais supervenientes da Lei nº 15.270/2025 (publicada em 27/11/2025), que implementou a chamada “tributação das altas rendas”, alterando significativamente a incidência de IR sobre lucros e dividendos pagos às pessoas físicas.
Sem ser repetitivo quanto ao tema, porque acreditamos que o leitor já está atento aos fatos, mas apenas para coerência dos argumentos deste artigo, de acordo com essa nova lei, a partir de 1º de janeiro de 2026 o pagamento ou distribuição de lucros por uma pessoa jurídica a uma mesma pessoa física, sua sócia, ficará sujeito ao IRRF de 10% sobre o valor total distribuído no mês, sempre que tal valor ultrapassar R$ 50.000,00.
Então a disputa passa a ser de ordem jurídica, através do confronto da Lei Complementar nº 123/2006 (art. 14), que não foi revogado de forma expressa, com os termos da Lei nº 15.270/2025 é uma lei ordinária federal
Do ponto de vista jurídico-constitucional, há argumentos sólidos para sustentar que as exigências introduzidas pela Lei 15.270/2025 não se aplicam às empresas optantes pelo Simples Nacional, em razão da natureza especial desse regime. A Constituição Federal reserva à lei complementar o tratamento diferenciado a ser dispensado às micro e pequenas empresas em matéria tributária (CF, art. 146, III, d, e art. 179).
Em outras palavras, quaisquer normas gerais sobre tributação de micro e pequenas empresas – inclusive quanto à tributação de seus resultados – devem ser veiculadas em lei complementar, não podendo uma lei ordinária revogar ou modificar esse tratamento favorecido e, em vista disso, a novel legislação ordinária (Lei 15.270/25) não poderia se sobrepor ao disposto no art. 14 da LC 123/2006, que explicitamente isenta do imposto de renda, na fonte e na declaração, os valores de lucro distribuídos aos sócios de MEs/EPPs optantes do Simples (respeitadas as condições lá previstas e que tratamos de forma resumida neste artigo).
Quem vos escreve já se deparou no passado com esta questão jurídica, patrocinando dezenas de processos judiciais, cujo tema era a isenção da COFINS para profissionais liberais, que acabou por ser julgada pela Suprema Corte de forma favorável ao Fisco, porque segundo aquela matéria, a COFINS poderia ser tanto criada e alterada por lei complementar como por lei ordinária, porque não havia a reserva legal constitucional em relação àquela contribuição.
Se a Suprema Corte mantiver o entendimento, que naquela época favoreceu o Fisco, então há grande margem de segurança jurídica no sentido de que a distribuição dos lucros de empresas optantes pelo Simples Nacional continua isenta, porque neste caso há expressa reserva legal sobre o tema:
Art. 146. Cabe à lei complementar: (…)
(…)III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados, no caso dos impostos previstos nesta Constituição. (Grifamos)
Apesar dos argumentos acima, é preciso enfatizar que a Receita Federal ainda não se manifestou oficialmente sobre a dispensa das empresas do Simples dessa nova retenção.
Até o presente momento, a obrigação de reter 10% sobre lucros distribuídos acima de R$50 mil/mês consta em lei ordinária válida para 2026, sem exceção expressa para optantes do Simples.
Diante da incerteza jurídica, a orientação conservadora é que, mesmo as empresas do Simples, passem a observar a retenção de 10% na fonte quando o limite mensal for excedido, a partir de janeiro de 2026.
Em paralelo, o contribuinte pode avaliar a apresentação de consultas fiscais formais para assegurar seu direito à isenção pelo menos durante o período em que a Consulta Fiscal não for respondida, caso entenda pertinente.
Em último caso, o contribuinte poderá ajuizar ação própria, considerando a Constituição Federal e o precedente que comentamos no STF.
Diante do cenário de insegurança jurídica instaurado com a entrada em vigor, em 2026, da nova sistemática de retenção de 10% de IR sobre lucros distribuídos acima de R$ 50 mil mensais, torna-se imperiosa uma manifestação expressa da Receita Federal quanto à aplicabilidade – ou não – dessa regra às empresas optantes pelo Simples Nacional.
A Solução de Consulta COSIT nº 244/2025, embora reafirme os requisitos para a isenção previstos na LC 123/2006, silencia quanto à nova tributação instituída por lei ordinária, sem esclarecer se tal norma atinge ou não os contribuintes desse regime especial.
Considerando o princípio da reserva de lei complementar previsto no art. 146, III, “d”, da Constituição Federal, o precedente do STF e os fortes fundamentos jurídicos que sustentam a não incidência da nova regra sobre o Simples, uma orientação formal da autoridade fiscal, ainda este ano, seria essencial para preservar a segurança jurídica. Isso evitaria uma corrida de empresas ao Poder Judiciário, bem como a sobrecarga de pedidos de consulta formal à Receita, que podem gerar respostas divergentes e ainda mais insegurança.
Em respeito à boa-fé dos contribuintes e à estabilidade do regime jurídico das micro e pequenas empresas, recomenda-se que a RFB se posicione de forma clara e tempestiva quanto ao alcance da nova tributação, sinalizando, com objetividade, se pretende – ou não – aplicar a nova regra às distribuições de lucros realizadas no âmbito do Simples Nacional. Tal posicionamento contribuiria para a previsibilidade tributária e a racionalização da administração fiscal.
